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terça-feira, 17 de julho de 2012

EMERSON - SHEIK, considerado um fenômeno, símbolo de raça.


Aquilo que não me mata, só me fortalece
Friedrich Nietzsche

Emerson, o Sheik, relembra infância pobre em Nova Iguaçu.
http://www.youtube.com/watch?v=JB0BbApzRlM&feature=fvsr

"Por isso que eu tenho velocidade cara, faço trabalho físico desde criança, subindo e descendo escadas atrás de pipas."


FINAL COPA LIBERTADORES 2012

Comentaristas esportivos percebem Emerson, popularmente conhecido como "SHEIK", como um atleta que tem "poder de decisão, veloz, sabe driblar, aparece quando precisa." A mídia traz expressões do tipo: "raçudo, garçom, marrento, provocador, não desiste."


Esse fenômeno Emerson, o Sheik, fez-me pensar em sua trajetória, que aliás, é extremamente interessante, então decidi dividir minhas reflexões com meus leitores.

Ao nascermos trazemos conosco a herança genética, que funciona como uma espécie de memória e registros de cada indivíduo, determinando características que vão além das puramente físicas, como cor dos olhos, do cabelo, estatura... Isso cabe dizer que existem genes para o comportamento e, que esses genes afetam nossa postura social e política, por assim dizer. O que se sabe é que nascemos com essa carga hereditária, mas o ambiente é um fator decisivo na aquisição de determinados comportamentos e até mesmo doenças. Pois, o indivíduo pode ter em seus genes uma pré-disposição para uma determinada doença, por exemplo a depressão, mas o ambiente vai determinar se esse indivíduo vai ser depressivo ou não, considerando-se a capacidade de enfrentamento que cada pessoa possui para lidar com eventos estressores em sua vida. Portanto, podemos dizer que os fatores genéticos são importantes para o comportamento humano, assim como o ambiente.

Após esse breve entendimento, voltamos nosso olhar sobre o Emerson, o Sheik, que teve uma infância extremamente pobre e com muitas dificuldades, inclusive passou fome, morando em uma casa de chão batido, onde um pão, muitas vezes, era dividido entre seus irmãos e sua mãe.

Acredito que esse ambiente hostil, com muitas adversidades, tenha fortalecido Emerson, que tem em seus genes um potencial de adaptação e flexibilidade à eventos estressores e, ao invés de deixar-se enfraquecer e derrotar, tornou-se forte, um guerreiro. Até mesmo seu potencial físico, foi estimulado pelo ambiente, onde ele mesmo expressa em entrevista: - “Por isso que eu tenho velocidade cara, faço trabalho físico desde criança, subindo e descendo escadas atrás de pipas."

Então, para Emerson, jogar sob pressão não o afeta emocionalmente, considerando-se que se acostumou a viver em situações críticas. Podemos até pensar que a pressão do contexto esportivo serve como um estímulo para que dê o seu melhor. 

Entende-se que no desenvolvimento humano, ambientes familiares e sociais são decisivos na construção de indivíduos saudáveis e com potencial de ação positiva, onde a busca de equilíbrio entre a superproteção e a negligência a seus filhos podem fazer toda a diferença para a formação de adultos com capacidades múltiplas ou não.


Uma boa leitura a todos!

Um abraço e até mais.




segunda-feira, 2 de julho de 2012

ENTREVISTA COM ELISEU ERHART - a trajetória de um jogador de futebol.





Nome: Eliseu Erhart
Naturalidade : Toledo – PR
Idade: 44 anos
Posição que sempre jogou: zagueiro
Empresa atual: ECNH -  Esporte Clube Novo Hamburgo – RS
Cargo: Diretor de Futebol

Angela: O sonho de ser jogador profissional partiu de você ou foi influência de alguém?
Eliseu: Este interesse partiu de mim, sempre tive essa vontade desde os 10 anos de idade, entrei no internacional com 12 nos, passei todo esse tempo lá nas categorias de base, depois fui para o profissional, sai de lá para o exterior. Tudo isso se iniciou há muito tempo atrás e partiu de mim, sempre tive essa vontade e consegui realizar.  

Angela: Momentos mais marcantes ou decisivos na sua trajetória como jogador de futebol?
Eliseu: Momentos mais decisivos, acho que é quando tu começa o primeiro jogo, ele é muito marcante na tua história, por que é o  inicio da tua carreira como profissional,  e depois o último, que é o encerramento da tua carreira, onde tu vais deixar para trás 18 a 20 anos  do que tu já fez e conviveu de vestiário e isso não é fácil, é bem difícil e daí tu tens que administrar tudo isso nos anos seguintes, para ter tua vida social fora e acho que isso pesa muito no encerramento da tua carreira. O primeiro jogo como profissional é o mais marcante, tudo  diferente do que jogar nas camadas jovens, jogar no juvenil e no Junior não tem aquela responsabilidade e pressão. O primeiro jogo como jogador profissional tem aquele impacto, “hoje eu sou jogador profissional”, então é muito diferente do que jogar nas camadas jovens.

Angela: O último jogo seria a aposentadoria, que se sabe é precoce na vida de um jogador de futebol. Então poderíamos pensar aqui, a importância do atleta continuar estudando e se preparar  para uma outra carreira após o encerramento de sua prática esportiva?
Eliseu: Exatamente, isso é essencial, tu se preparar para o fim dela. Por que tu chega no fim da tua carreira, daí tu se questiona: -“Porque não fiz isso, porque não fiz aquilo, porque não me prepararei melhor.” Tem todo um questionamento após esse termino e ai tu  chega a conclusão que tu poderias ter se dedicado um pouquinho mais e realizado um pouco mais do que aquilo que tu fazia. Então tem esse questionamento, eu me questionei.

Angela: Pode-se dizer até que muitos atletas chegam nessa fase da vida despreparados e podem vir a desenvolver alguns vícios, como álcool ou outro tipo de droga, em uma resposta à desesperança em relação à vida, onde a gente sabe que é muito complicado para o atleta esse momento, em que na sua grande maioria saem dos holofotes, da mídia e caem no esquecimento?
Eliseu: É por que ele sai de uma adrenalina, de um estilo de vida em que a adrenalina sempre esteve muito alta e daí ele para. Então tem que baixar essa adrenalina e voltar a uma normalidade, isso é muito difícil, conseguir manter ela num nível para viver no dia a dia, porque o atleta sempre mantém a adrenalina em um nível muito alto durante quase 18 anos em função da atividade física e do próprio contexto esportivo. Então é necessário uma adaptação a um novo estilo de vida e, é muito importante estar preparado para isso, o que nem sempre acontece.

Angela: Como foi sua experiência na Europa, a adaptação em outro país, outra cultura, estar longe da família, dos seus amigos, do seu país...pontos positivos e negativos?
Eliseu: Pontos positivos é a realização do sonho de todo o jogador, que é jogar na Europa. Então, o primeiro ano foi maravilhoso porque era uma experiência nova, tudo era novo e gratificante, porque eu joguei o primeiro ano, foi muito bom. O segundo ano já começou bater a saudade, já não joguei tanto e ai tu fica mais triste, esse lado familiar parece que aumenta a ansiedade de ver a família, de ter o contato com a família.
Angela: Você estava sozinho?  
Eliseu: Eu tive a companhia da minha esposa no primeiro ano e no segundo como ela engravidou, veio ter o filho no Brasil, daí fiquei só. Mas mesmo quando estava com minha esposa, parecia que ficava um vazio da  minha grande família, que é mãe, pai, não é só filho e esposa, então essa grande família fazia muita falta. E o primeiro ano tu se adapta bem, você joga, está feliz, está bem, isso fecha as lacunas. Mas quando isso começa a não ir tão bem, você começa a sentir falta das pessoas, daquela alegria, e então queremos buscar os familiares, os amigos e eles não estão ao seu lado, é ai que começa o sofrimento. Até o quarto ano foi difícil, depois os outros 11 anos foi muito bom porque estava adaptado, a saudade era menor, eu vinha visitá-los uma vez ao ano, isso foi positivo.
Eliseu: Tem também o lado financeiro, a gente vai pelo lado financeiro, mas daí tu reflete depois quando volta e faz um balanço, uma reflexão: - “Será que valeu a pena ficar tanto tempo longe, familiares que já se foram, então pensamos se o dinheiro  compensa essas perdas e essa falta que tu sentiu no dia a dia, se vale a pena o que  você não acompanhou por estar longe”. Então tu fica frustrado, fica pensando que as escolhas têm perdas e às vezes, quando sentamos para fazer uma reflexão, vimos que essas perdas fazem falta. “Será que o dinheiro compensa o lado humano?”. É uma decisão difícil. Fiquei lá 15 anos. Com o passar dos anos tu adquire uma certa bagagem e se adapta aos medos, medos de ficar longe da mãe, do pai, medo de perder um ente querido, daqui a pouco isso vai ficando natural, a perda vai ficando natural. Só no final nos damos conta de tudo que perdemos.

Angela: Isso talvez seria a parte pior de ficar na Europa, a distância, a saudade. Essa saudade, essa tristeza, pode baixar o rendimento do atleta?
Eliseu: Baixa sim, tanto baixa que nos próximos 4 anos iniciais, após o primeiro ano, eu tive dificuldades de ser titular. O meu foco mudou muito, aumentei o peso, tive dificuldades nos treinamentos, tua concentração não é a mesma porque tu está infeliz, tudo muda.

Angela: Estamos falando da questão emocional do atleta e como isso afeta no rendimento. O atleta tem que estar realmente bem, com todo seu entorno bem, que é a família, aspectos situacionais, de forma a lhe dar tranquilidade e uma boa estrutura emocional.
Angela: Nesses 15 anos na Europa que aprendizado você considera que não teria aqui no Brasil, á nível cultural ou um outro aprendizado?
Eliseu: O aprendizado cultural é muito grande, porque você tem a oportunidade através do futebol, de viajar para vários lugares e como eu morava na Europa, minhas férias também eram na Europa. O conhecimento de uma nova língua é um processo automático, você passa a pensar em inglês, isso é interessante. Já a China é uma cultura totalmente diferente, a mais diferente que aconteceu na minha vida. Claro que na Europa o aprendizado foi muito mais intenso porque fiquei muito mais tempo e na China foi temporário. O aprendizado da China foi interessantíssimo porque tu convive com eles 1 ano e meio e só pensa em voltar, todos os dias, pela dificuldade que é estar lá, então isso foi o extremo de um ponto a outro.

Angela: A maneira de jogar do Europeu, tecnicamente falando é diferente de jogar no Brasil?
Eliseu: Com certeza. Em termos táticos é muito diferente, onde se aprende a se defender de uma maneira diferente do que é praticado no Brasil. Nós damos mais valor ao ataque do que a defesa, sempre foi assim. Então a maneira de se defender lá é totalmente diferente, eles são uma equipe mais defensiva, eles se colocam melhor dentro do campo. Até hoje foi adotado o conceito de compactar mais os grupos, o time, isso já é um conceito antigo da Europa. Agora está sendo colocado mais aqui no Brasil, compactação das equipes, jogar mais perto, porque no Brasil antes, se jogava com 3 na frente, joga  pelas alas, cruzamento na área  e em velocidade, era um time mais ofensivo. Isso, com certeza, mudou muito meu modo de ver futebol, tanto que hoje tento colocar para alguns jogadores que jogam na minha área, na zaga, onde eu joguei, tento colocar algumas coisas para eles. Eles já me perguntaram também como eu faço assim, como eu me posiciono, como coloco meu corpo, tem todo um modo de ver o futebol e isso traz uma aprendizagem diferente para que eu possa ajudar a colocação de outros jovens que estão se inserindo.

Angela: Ao atingir o nível profissional, como manter-se motivado e o que motiva mais um jogador profissional?
Eliseu: O que motiva mais um jogador profissional?...Primeiro é o contrato, que é o financeiro, isso não tem como negar. Depois é o Ego dele, o “ego dele é enorme”, ele tem que estar sobressaindo, ele é a estrela, ele tem que estar jogando bem, para ele é fundamental aparecer, isso não tem, o jogador quer ser estrela, ele quer estar na mídia, ele quer ser a peça fundamental da equipe, ele é motivado a isso, “é ser ele o cara”, não tenha dúvida.

Angela: Então, o treinador de um time de ponta , que já está na mídia, de acordo com seu ponto de vista Eliseu, o que você pensa que o treinador deve fazer para motivá-los  para um jogo importante, um jogo decisivo?
Eliseu: Inclusive estive agora lá no Fluminense falando com Abel Braga, eles utilizaram uma história verídica, um vídeo motivacional de superação e isso mexeu com o grupo e deu aquele alento, mobilizando o grupo, passando para os jogadores aquele poder de fazer o que quiser, conquistar o que quiser , se a gente for unido, basta querer, o pensamento do grupo ser o mesmo, aquele foco central, atingir diretamente o que tu quer, que é a vitória. E isso me chamou a atenção. Mas, claro que tem outros pontos que faz com que o jogador se sinta motivado, que é o lado do prêmio, do jogo, porque ele procura títulos para agregar ao seu currículo, que é fundamental, porque ele quer que a história dele seja gravada em algum lugar, ele quer fazer isso, fazer história.

Angela: Você acha que todo atleta quer fazer história?
Eliseu: Todo ele, mas poucos conseguem. A ambição, esse querer fazer história, que está embutido nele desde pequeno. Todos nós queremos fazer história, uns mais, outros menos, só que uns conseguem, outros não.

Angela: Estamos falando aqui de uma das necessidades humanas, que é a necessidade de reconhecimento e nossa busca máxima que é de realização profissional e pessoal, procurar ser o melhor que podemos ser.
Angela: Eliseu, e para finalizarmos, uma pergunta bem polêmica, como você vê o papel do empresário na vida do jogador?
Eliseu: Eu, sinceramente, eu penso que não deveria ter. Eu acho que deveria ser alguém da família, o pai, como eu vejo em vários casos, como o Neymar. Alguém da família que sabe o que o atleta precisa, eu acho que o pai não vai procurar mais dinheiro pensando nele próprio, na ambição dele, eu acho que ele vai pensar no filho pelo carinho e amor que existe ai. Primeiro o filho, depois vem o restante, daí eu acho que o pai tem isso, alguém da família.

Angela: Você quer dizer  que essa relação tenha como base o amor?
Eliseu: Exatamente. Hoje eu acho que para a gente seguir na vida sem amor, não consegue, é uma necessidade no dia a dia. Nós precisamos ser amados, a gente está sempre se perguntando: “Será que gosta de mim?”. E o empresário, ele pensa no atleta como uma mercadoria e daí, tem uns que botam o atleta numa “caixinha bonita”, tipo um time bom, tem mais visibilidade, então é mais fácil de vender essa mercadoria, daí financeiramente é muito melhor.  Agora se colocamos numa “caixinha não tão bonita”, um time menor, não terá a rentabilidade que talvez esse empresário queria,  até porque a caixa, a estrutura talvez não seja de um tamanho tão grande. O que eu quero dizer é que o empresário só visa isso, esse lado frio da relação, muito frio, porque não há relação, só um interesse, é um emprego.

Angela:  Concluímos dizendo que essa relação é um jogo de trocas, onde o atleta que joga bem, representa para este empresário um lucro maior, uma mercadoria boa de ser comercializada.  O empresário não quer saber se o atleta está feliz ou não de jogar neste ou naquele clube, não quer saber de seus sentimentos, de suas necessidades, de suas preferências, porque “objeto” não pensa, não sente, não fala.  Não há nada de humano nisso, não há um interesse pela vida do atleta, pelo seu bem-estar e muito menos um ato de respeito pelo seu sonho de menino.
Muito obrigada Eliseu por dividir comigo e meus leitores sua valiosa experiência como jogador e como pessoa, oportunizando-nos uma profunda reflexão acerca do que realmente dá sentido à vida.

Um abraço aos meus leitores e até mais!